domingo, 16 de janeiro de 2011

Florbela Espanca

Gostaria de apresentar à vocês um pouco da vida e obra de uma poetisa que admiro demais pela sua escrita e coragem de ser “primeira” em uma época de “primeiros”.
Apreciem sem moderação...

Anamathy


Florbela Espanca (1894-1930), batizada com o nome Flor Bela de Alma da Conceição, foi uma poetisa portuguesa. A sua vida de 36 anos foi tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade carregada de erotização e feminilidade.

:.Vida de Flor
Filha de Antônia da Conceição Lobo e do republicano João Maria Espanca, nasceu no dia 08 de Dezembro de 1894 em Vila Viçosa, no Alentejo.

Seu pai era casado com Mariana do Carmo Toscano. A sua esposa não pôde dar-lhe filhos. Porém, João Maria resolveu tê-los – Florbela e Apeles, três anos mais novo – com outra mulher, Antônia da Conceição. Ambos os irmãos foram registrados como filhos ilegítimos de pai incógnito. Entretanto, João Maria Espanca criou-os na sua casa, e Mariana passou a ser madrinha de batismo dos dois. João Maria nunca lhes recusou apoio, nem carinho paternal, mas reconheceu Florbela como sua filha em cartório só dezoito anos depois da morte dela.

Em 1899, Florbela entra para o curso primário passando a assinar “Flor d'Alma da Conceição Espanca”. O pai de Florbela foi em 19 um dos introdutores do cinematógrafo em Portugal. A mesma paixão pela fotografia o levará a abrir um estúdio em Évora, despertando na filha a mesma paixão e tomando-a como modelo favorita, razão pela qual a iconografia de Flor, principalmente feita pelo pai, é bastante extensa.

Em 1903, aos 7 anos, faz seu primeiro poema, “A Vida e a Morte”. Desde o início é muito clara sua precocidade e preferência a temas mais escusos e melancólicos.

Depois, Flor ingressou no Liceu Masculino André Gouveia em Évora, onde permaneceu até 1912. Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o curso secundário. Devido a Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910, os Espanca mudaram-se para Lisboa. Florbela interrompeu os estudos.

Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. O casal morou primeiro em Redondo. Em 1915 instalou-se na casa dos Espanca em Évora, por causa das dificuldades financeiras. Então, eles passam a morar na casa de João Maria. Sob o olhar complacente de Flor, Alberto de Jesus, seu marido, convive abertamente com uma empregada, divorciando-se da esposa em 1921 para casar-se com Henriqueta, a então empregada.

Em 1916, de volta a Redondo, a poetisa reuniu uma seleção da sua produção poética desde 1915, inaugurando assim o projeto “Trocando Olhares”. A coletânea de 85 poemas e 3 contos serviu-lhe mais tarde como ponto de partida para futuras publicações. Na época, as primeiras tentativas de promover sua poesia falharam.

Regressando a Évora, em 1917, a poetisa completa 11º ano do Curso Complementar de Letras, e logo após ingressa na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das 14 mulheres entre 347 alunos inscritos. Após um aborto involuntário que lhe teria afetado os ovários e os pulmões, se muda para Quelfes, onde apresenta os primeiros sinais sérios de uma neurose.

Em 1919 saiu finalmente a sua primeira obra, “Livro de Mágoas”, antologia de poemas. A tiragem (200 exemplares) esgotou-se rapidamente. No mesmo ano, sendo ainda casada, a escritora passou a viver com Antônio José Marques Guimarães, alferes da Artilharia da Guarda Republicana. Logo depois, Flor passa a trabalhar em um novo projeto que foi publicado em 1923 sob o nome de “Livro de Soror Saudade”.

Em meados de 1920 abandonou os estudos na faculdade de Direito. No ano seguinte, divorciou-se de Moutinho para casar com o amante. O casal passou a residir no Porto, mas, no ano seguinte, transferiu-se para Lisboa, onde Guimarães se tornou chefe de gabinete do Ministro do Exército.

Após mais um aborto separa-se pela segunda vez,o que faz com que sua família deixe de falar com ela. Essa situação a abalou muito. O ex-marido abriu mais tarde em lisboa uma agência,”Recortes”, que enviava para os respectivos autores qualquer nota ou artigo sobre ele. O espólio pessoal de Antônio Guimarães reúne o mais abundante material que foi publicado sobre Flor, desde 1945 até 1981, ano de falecimento do ex-marido Ao todo são 133 recortes.

Em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926.

Passa a colaborar no Jornal D. Nuno em Vila Viçosa, no ano de 1927, com os poemas que comporão o “Charneca em Flor”. Em carta ao diretor do D. Nuno fala da conclusão de Charneca em Flor, e fala também da preparação de um livro de contos,provavelmente o “Dominó Preto”.

No mesmo ano Apeles, irmão de Florbela, falece em trágico acidente, fato esse que abalou demais a poetisa. Ela aferra-se a produção das “Máscaras do Destino”, dedicando ao irmão. Mas então Florbela nunca mais será a mesma, sua doença se agrava bastante após o ocorrido.

Começa a escrever “Diário de Último Ano” em 1930. Passa a colaborar nas revistas “Portugal Feminino” e “Civilização”, trava também conhecimento com Guido Batelli, que se oferece para publicar “Charneca em Flor”. Florbela então revê em Matosinhos as provas do livro, depois de tentar suicídio, período em que a neurose se agrava e é diagnosticado um edema pulmonar.

Em 02 de Dezembro de 1930, Flor encerra seu Diário de Último Ano com a seguinte frase: “...e não haver gestos novos nem palavras novas.” Às duas horas do dia 08 de Dezembro – no dia do seu aniversário – Florbela d'Alma da Conceição Espanca suicida-se em Matosinhos, ingerindo dois frascos de Veronal*. Algumas décadas depois seus restos mortais são transportados para Vila Viçosa, “...a terra alentejana a que entranhadamente quero.”

*Nome comercial do primeiro sedativo sonífero introduzido no mercado no início do século XX.

:.Obra “Florbeliana”
Autora de poemas, artigos na imprensa, traduções, epístolas e um diário, Florbela Espanca antes de tudo foi poetisa. É à sua poesia, quase sempre em forma de soneto, que ela deve a fama e o reconhecimento. A temática abordada é principalmente amorosa. O que preocupa mais a autora é o amor e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. A sua obra abrange também poemas de sentido patriótico, inclusive alguns em que é visível o seu patriotismo local: o soneto “No meu Alentejo” é uma glorificação da terra natal da autora.

Somente duas antologias, “Livo de Mágoas” e “Livro de Sóror Saudade”, foram publicadas em vida da poetisa. Outras, “Charneca em Flor”, “Juvenília” e “Reliquiae” saíram só após o seu falecimento. Toda a obra poética de Florbela foi reunida por Guido Batelli num volume chamado “Sonetos Completos”, publicado pela primeira vez em 1934. Em 1978 tinham saído 23 edições do livro. As peças anteriores às primeiras publicações da poetisa foram reconstituídas por Maria Lúcia Dal Farra, que em 1994 editou o texto “Trocando Olhares”.

A prosa de Florbela exprime-se através do conto (em que domina a figura do irmão da poetisa), de um diário, que antecede a sua morte, e em cartas várias. Algumas peças da sua correspondência são de natureza familiar, outras tratam de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspectos mais práticos, como a sua publicação. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa - naturalidade e simplicidade.

Fontes

"Eu"
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!


Download de "Sonetos Completos" AQUI.

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